Vejamos
a seguinte situação:
O professor X propõe um
desenho sobre um determinado tema. Mais tarde, após examinar os desenhos feitos
por seus alunos, o professor diz que faltou “criatividade” e “originalidade”
nos trabalhos da turma.
Será
que o professor está correto em seu julgamento? Será que os alunos não tiveram
mesmo criatividade e que seus desenhos não foram originais? Para
responder a estas questões é preciso que se conheçam os dois lados: o do
professor X e dos alunos.
O
professor X é um adulto. Cresceu numa família e aprendeu coisas com ela. Passou
por várias escolas e, pelo menos, uma Universidade antes de lecionar. Conviveu
com vários outros grupos sociais (amigos, igreja, clubes, de trabalho,...) e
vive numa macro sociedade. Em cada grupo social entrou em contato e incorporou pensamentos
que passaram a fazer parte de sua cultura pessoal. Por isso, quando o professor
X pensa em criatividade, significa que ele deseja originalidade, variedade, facilidade
e fluência de ideias em relação a tudo o que se quer fazer.
Os
alunos, por sua vez, não trazem toda essa bagagem cultural. Pertencem a um grupo
familiar que lhes ensina hábitos e costumes. Com a entrada na escola, começam a
ampliar seus conhecimentos dando início á formação de sua cultura pessoal, aos poucos. Por
isso, ao ouvirem o pedido e a explicação da tarefa, os alunos começam a pensar
em como realizar o tal desenho. Pensam no tema proposto e na melhor forma de
traduzi-lo numa expressão gráfica.
Enquanto
pensam, buscam na memória situações e imagens relacionadas com o tema.
Vasculhando a memória, se defrontam com experiências e vivências de seu próprio
eu. Experiências e vivências que podem ter sido positivas ou negativas
dependendo do seu histórico de vida. Estas imagens são como “pontos de
ancoragem” (como diz Ausubel), ou seja, “referência significativa” e própria do
seu conhecimento em formação.
Neste
momento, cada aluno faz uma escolha e podem optar por colocar no papel imagens
e situações que lhes são agradáveis, deixando escondidas as desagradáveis. Ou
vice-versa, porque o contrário também é verdadeiro.
Seja
qual for a escolha feita, os alunos começam a realizar a tarefa. Os desenhos
sempre retratam o que foi mais importante ou significativo, naquele momento. E
enquanto desenham, os alunos fazem novas escolhas e tomam novas decisões: a
imagem principal, as imagens secundárias, outras imagens que completam a cena,
geralmente de menor importância para eles.
A
composição realizada traz, ainda, a experimentação e a exploração o espaço do
papel, o descobrimento de novas possibilidades e pontos de vista diferentes e
os conceitos de cada aluno sobre o tema.
Chega
o momento do toque final de sua obra: o colorido. Novas escolhas feitas e
decisões são tomadas. As cores utilizadas em cada imagem ainda estão ligadas a
seus conhecimentos, experiências, vivências, reações emocionais e das possibilidades
de conhecimento de mundo que cada um teve. Assim, cada aluno fez um trabalho
próprio, individualizado e original dentro de seus próprios limites e repletos
de informações a seu respeito.
Como
o professor X pôde dizer, então, que não havia originalidade? Porque utilizaram
por certo, casas, árvores, flores, pessoas, animais?
Não
importa se todos desenharam os mesmos elementos figurativos. Para cada aluno, a
forma, o traço, o sentido ou contexto, a ordem, a cor trazem significados
diferentes de um para outro.
Por
outro lado, ninguém cria algo do nada. Nem Picasso, Van Gogh, ou Torricelli o
fizeram. Inicialmente, suas obras partiram do conhecido de suas épocas e, aos
poucos, a habilidade com o pincel permitiu que criassem algo que se transformou
em originalidade. E para chegarem a isso, tiveram que aprender muito e
trabalhar bastante.
Como
o professor X pode querer que seus alunos tenham o “virtuosismo” desses
famosos?
A
escola é um lugar de aprendizagens. A escola deve levar cada aluno ao
desenvolvimento máximo de suas habilidades e capacidades (diz a LDB) ainda em
estado de latência, por meio das aprendizagens.
Se
o trabalho dos alunos é uma combinação de conhecimentos pessoais e de mundo em
relação ao tema proposto, o professor X não pode afirmar que não houve
originalidade, nem criatividade porque todos os alunos que cumpriram a tarefa.
Desenvolveram seu intelecto, ultrapassaram barreiras e bloqueios pessoais e
emocionais em relação ao tema proposto e, ainda, saíram fortalecidos
psiquicamente. O que, com certeza, o infeliz comentário deve ter colocado todo
esse trabalho a perder, pelo menos para alguns mais sensíveis ou
sugestionáveis.
A
questão do desenho foi apenas um exemplo prático do meu convívio pessoal. Mas,
estas observações podem ser aplicadas em outras disciplinas, como numa produção
de texto (Língua Portuguesa), numa resolução de problema (Matemática ou Física)
ou numa resposta a uma pergunta (História, Geografia, Ciências ou Biologia).
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OBRIGADA PELA VISITA.
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